Habitação acessível: o modelo de Viena que funciona
Last Updated on 13 Outubro 2025 by Equipo Urbanitae
São cada vez mais as cidades europeias que enfrentam dificuldades no acesso a habitações dignas e acessíveis. No caso dos jovens europeus, 30% vivem com os pais devido à impossibilidade de aceder a uma casa própria. Em Espanha, o número é ainda maior, atingindo 48%, segundo dados do Eurostat.
Uma das explicações para este fenómeno está nos preços do arrendamento, que nos últimos 15 anos dispararam na Europa quase 27%, de acordo com o mesmo organismo. No entanto, Viena é a grande exceção. Embora pareça uma utopia, a capital austríaca destaca-se como a cidade com o arrendamento mais acessível, com um preço médio de 8 euros por metro quadrado, incluindo despesas, segundo a Wiener Wohnen, a maior empresa pública de habitação da Europa. Um valor impressionante, sobretudo quando comparado com os 20,9 euros na Comunidade de Madrid — mais 161%.
Como é isto possível? O modelo de arrendamento público de Viena é o resultado de 100 anos de tradição social-democrata e de uma infraestrutura pensada por e para os cidadãos, permitindo que cerca de 60% da população viva em habitação municipal ou subsidiada.
Habitação acessível orientada para criar comunidade
O modelo vienense nasceu das políticas públicas desenvolvidas nos anos 1920, quando começaram a ser construídos os primeiros edifícios municipais de habitação pública, conhecidos como Wohnhausanlage. Após a guerra, a cidade ficou devastada, enfrentando uma grave crise habitacional. O Partido Social-Democrata da Áustria fez da habitação uma das suas prioridades, marcando o início da chamada “Viena Vermelha”.
Entre 1923 e 1934 foram construídas mais de 65.000 habitações, com espaços de qualidade, preços acessíveis e até áreas ajardinadas. Esta abordagem manteve-se, apesar das mudanças políticas, e atualmente a maioria destes edifícios é gerida por cooperativas e associações sem fins lucrativos.
A ideia era clara: transformar a habitação num direito, com preços estáveis — algo que os austríacos souberam preservar até hoje. Atualmente, a cidade mantém 43% do seu parque habitacional sob gestão pública, sendo a Câmara Municipal de Viena responsável por cerca de 220.000 residências, segundo o site oficial da cidade.
Karl Marx-Hof e outros exemplos emblemáticos
O exemplo mais icónico do urbanismo social vienense é o Karl Marx-Hof: construído entre 1927 e 1930, foi o primeiro conjunto residencial a aplicar uma nova abordagem estrutural, com espaços concebidos para criar comunidade, mantendo o funcionalismo e a qualidade de vida.
Com 1,2 km de comprimento e mais de 1.300 habitações, é um dos maiores blocos residenciais do mundo, com bibliotecas, creches, jardins interiores e até um museu municipal.
Após a sua construção, Viena manteve o compromisso com a habitação acessível, criando mais tarde outro exemplo emblemático — o Wohnpark Alterlaa. Construído entre 1975 e 1986 e com capacidade para 10.000 pessoas, este projeto foi concebido para promover a dignidade e a funcionalidade habitacional.
Como é gerida a habitação acessível em Viena
O acesso a este tipo de habitação é gerido pela agência Wohnberatung Wien (em português, “Aconselhamento Habitacional de Viena”). Foi criada como a única via oficial de entrada no sistema vienense de arrendamento acessível, estando diretamente ligada à autarquia.
Para ter acesso, é necessário cumprir alguns requisitos básicos: ter pelo menos 17 anos, estar registado em Viena há pelo menos dois anos, possuir nacionalidade austríaca ou autorização de residência, encontrar-se em situação de necessidade habitacional e não ultrapassar determinados limites de rendimento — 53.000 euros brutos anuais no caso de uma pessoa ou 79.000 euros no caso de um casal.
Outro dos grandes benefícios deste sistema é a possibilidade de manter o contrato vitaliciamente e até de o transmitir aos filhos. Além disso, caso o inquilino melhore a sua situação económica, não perde o direito à habitação, garantindo que o benefício não é apenas temporário e promovendo a estabilidade residencial.
Aprendizagens: planeamento urbano e políticas públicas
A combinação entre políticas públicas e um planeamento urbano eficaz foi determinante, permitindo que o controlo e a gestão do parque habitacional fossem exercidos diretamente pela Câmara Municipal de Viena, o que estabiliza a oferta e a procura, regula os preços e assegura o acesso à habitação para os cidadãos.
De acordo com dados de várias entidades, como o Tribunal de Contas ou a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), Espanha está entre os países europeus que menos investem em habitação social — um investimento cinco vezes inferior ao dos seus vizinhos europeus.
Além disso, apenas 1,6% das habitações em Espanha correspondem a arrendamento acessível, uma percentagem semelhante à de Madrid que, ao contrário de Viena, possui um parque público reduzido, com apenas cerca de 9.000 habitações sociais em arrendamento — menos de 1,5% do total residencial da região, sendo ainda assim a comunidade espanhola com mais unidades. Em Barcelona, a segunda maior cidade do país, a situação não é muito diferente, e a oferta até diminuiu 2,7%.
Como poderia este exemplo ser aplicado a Espanha? Através de um aumento do investimento na construção e manutenção de habitação pública, com programas como o PERTE para a industrialização da habitação, o reforço do investimento estatal por parte do Ministério da Inclusão, Segurança Social e Migrações, e uma maior participação do investimento privado em projetos imobiliários.
É precisamente aqui que entidades como a Urbanitae desempenham um papel fundamental, canalizando financiamento para promotores, construtores e desenvolvedores que necessitam de apoio financeiro. Através da sua plataforma de investimento colaborativo, a empresa facilita o acesso a capital privado para projetos residenciais — sejam de habitação social ou não — e comerciais, que, em muitos casos, ficam fora dos circuitos tradicionais de crédito.